Análises

Análise: Dead Space Remake

Dead Space não precisou navegar até os confins do universo para aglomerar uma legião de fãs. Já no seu lançamento, em 2008, o primeiro título da franquia que mistura terror com ficção-científica entregou uma experiência que se tornou referência no mundo dos games. Os anos passaram, a série ganhou duas sequências e parecia que ia dormir no Mar da Tranquilidade e estaria tudo bem se fosse assim. Mas quinze anos após o lançamento do game inspirado nas franquias Alien e O Enigma de Outro Mundo, a Motive Studios e Electronic Arts se juntaram para lançar um remake que mastiga o material original da primeira aventura de Isaac Clarke e regurgita uma verdadeira aventura aprimorada em todos os seus detalhes. A Casa do Cogumelo recebeu uma cópia digital de Dead Space Remake da EA Brasil e te contamos aqui o que achamos da nossa experiência a bordo da USG Ishimura no PlayStation 5.

Reprodução: Electronic Arts

A Bordo da USG Ishimura

Ambientado no século 26, mais precisamente no ano 2508, o game acompanha os tripulantes de uma nave que investiga o chamado de socorro da USG Ishimura, uma nave mineradora que orbita o planeta Aegis VII. Sem contato com os tripulantes da USG Ishimura, a pequena tripulação liderada pelo Comandante Zach Hammond decide atracar na nave mineradora, mas um acidente os prende a bordo da silenciosa e obscura USG Ishimura. Poucos segundos se passam e todos, incluindo o protagonista Isaac Clarke, descobrem que a tripulação da USG Ishimura desapareceu. Mas é óbvio que não é só isso: a nave mineradora está infestada de necromorfos, seres mutantes bizarros que vão caçar Isaac e qualquer ser vivo dentro da Ishimura.

E já é no começo da história que o remake mostra novidades em relação ao título original. O silencioso protagonista é, agora, falante e participativo – e isso deixa a experiência bem menos mecânica do que de fato é. Ver Isaac conversando e interagindo com Hammond e os outros tripulantes tira a sensação de que ele é um boneco automatizado que só recebe e precisa realizar as ordens do Comandante Hammond. É indiscutível que Isaac é, de fato, um solucionador de problemas, já que precisa fazer inúmeras tarefas na nave para descobrir o que aconteceu com os tripulantes, mas vê-lo ao menos demonstrando sentimentos e levantando informações deixa o processo bem menos mecânico. Aliás, vale notar que o remake ainda levanta pinceladas novas em relação ao título original ao adicionar uma questline sobre Nicole Brennan, namorada de Isaac que trabalhava na Ishimura – o que deixa a performance de Isaac ainda mais humanizada e relacionável.

Já de cara o remake mostra que a história ganha novos detalhes e nuances para, principalmente, elevar a relação entre jogador e protagonista – além de deixar toda a narrativa mais intensa e profunda. No game original, tal relação é quase que estritamente mecânica e Isaac é uma ferramenta para solucionar os mistérios da Ishimura sem demonstrar emoções. No remake, a relação entre jogador e Isaac é mais próxima e catalisada através da interação do protagonista com o Comandante Hammond, através das sidequests focadas na namorada do protagonista e através da própria história, que explora o passado do protagonista e sua relação com a Igreja da Unitologia, totalmente ligada aos acontecimentos mais catastróficos da franquia.

Outra forma interessante que o remake conta sua história é através de informações jogadas pelos inúmeros ambientes da Ishimura. Arquivos de textos, propaganda e gravações também contam a história do game de forma bem direta para aprofundar o jogador nos acontecimentos grotescos da nave, o que eleva ainda mais a conexão entre história e personagens. Fica claro, a cada passo que Isaac dá na nave, que o remake de Dead Space pole e refina a história de horror no espaço morto criado pela “finada” Visceral Games.

Reprodução: Electronic Arts

Matando Mutantes Gigantes

Além de refinar e apresentar finas camadas inéditas da história original, o remake também aproveita para aprimorar tudo que funcionou bem no combate de Dead Space. As fraquezas dos diferentes tipos de Necromorfos seguem idênticas às originais. Caminhar, correr e atacar são ações realizadas das mesmas maneiras que na versão original – claro, com traços e detalhes bem refinados à nova geração de consoles. Mas preciso destacar que, assim como na versão original, a movimentação de Isaac é devagar e ele demonstra que o peso de seu traje é realmente alto. 

Para evitar frustrações contra os rápidos Necromorfos, o game apresenta duas possibilidades de combate que equilibram as coisas: o estase e a cinese. O estase é um recurso similar ao famoso bullet-time, mas é aplicado somente a objetos e monstros ao deixá-los em câmera lenta. Desta forma, é possível ativar o estase em um inimigo, se afastar e atacar sem correr grandes riscos. Já a cinese é uma habilidade que permite que Isaac lance objetos explosivos nos Necromorfos. Juntando isso com as tradicionais armas do game, o combate se torna, aos poucos, menos caótico e mais estratégico. E como as munições são distribuídas escassamente pela Ishimura e são relativamente caras nas lojas da nave, é preciso economizar tiros e entender quando é possível simplesmente fugir ou quando é possível utilizar das habilidades para eliminar as criaturas mutantes sem atirar. 

Também é preciso destacar uma mudança que deixa a jogabilidade do remake ainda mais prazerosa: o inventário de Isaac. Tanto no game original quanto no remake, Isaac só pode usar quatro armas por vez, ou seja, só pode colocar armas em quatro slots de seu inventário. No entanto, no game original, as armas não utilizadas tinham que ser estocadas no baú. Já no remake, isso não acontece, e Isaac pode carregar as armas em seu traje, o que facilita a transição de um armamento ou outro. Outra novidade é o sistema de upgrades dos trajes e das armas através de módulos. Em Dead Space Remake, você pode utilizar módulos em estações de trabalho para aprimorar pontos de vida ou o tempo de uso de habilidades de Isaac, assim como também pode aprimorar o dano e a quantidade de tiros das armas. Com sistemas aprimorados e com as novidades mencionadas, o remake deixa claro que foi polido não só para engrandecer uma obra que já era gigante, mas também foi cuidado para que o jogador sentisse o progresso a cada passo que desse na USG Ishimura – e isso é sentido a cada porta que abre e fecha, a cada tiro disparado a cada missão concluída. 

E toda jogabilidade flui em uma constante do começo ao fim sem interrupções. Todas as cutscenes são interligadas aos momentos de ação, de exploração e os momentos pacíficos através de uma câmera ininterrupta. Sim, Dead Space Remake é um constante plano sequência que não sofre qualquer tipo de corte – nem mesmo na hora de salvar o game. O jogo só sofre interrupções quando o “Pause” é apertado e quando Isaac morre, mas se você conseguir iniciar o game e não pausar ou morrer, irá presenciar uma história ser contada sem qualquer tipo de cortes. Isso faz com que a Ishimura cause um sentimento claustrofóbico e sem respiros. As cutscenes são sempre seguidas de acontecimentos catastróficos e explorar as salas da nave sempre prendem a respiração com sua atmosfera medonha, grotesca e tensa. Um prato cheio aos fãs de horror e de ficção-científica, sem dúvida alguma.

Qualidade e desempenho visual

É claro que o remake apresentaria atualizações visuais. E fica claro, já no início do game, que os artistas do jogo souberam aproveitar a tecnologia para aprimorar a jornada visual a bordo da Ishimura. Não são só mais polígonos na tela, não são só novos efeitos pirotécnicos ou orgânicos. Dead Space Remake apresenta um verdadeiro novo leque visual que eleva ainda mais toda a construção imagética da franquia a um patamar ainda mais aterrorizante. No PlayStation 5, o game apresenta dois modos visuais: o modo qualidade e o modo desempenho. Enquanto no modo qualidade o jogo roda a 1440p a 30 FPS com Ray-Tracing, no modo desempenho Dead Space Remake roda a 2048px1080p sem Ray-Tracing (via Adrenaline). Do começo ao fim com o modo qualidade ativado, tive uma experiência sem qualquer tipo de problema de desempenho – zero queda de frames bruscas, freezes ou qualquer outro problema que quebrasse minha imersão no game.

As sombras realistas engolem os ambientes e amplificam o suspense e o terror. As texturas orgânicas e medonhas deixam os Necromorfos ainda mais assustadores. Os efeitos visuais estabelecem um universo de ficção-científica digno de Hollywood. Todo o visual do remake cumpre seu propósito do começo ao fim da aventura de Isaac. Só é preciso destacar que as aparições de hologramas se assemelham visualmente mais ao título original de 2008 do que ao remake em si – talvez até de forma consciente, mas que não deixa de ser graficamente estranho, serrilhado e sem muitas definições. Não é o suficiente para ser um problema, até porque os hologramas em si aparecem em poucos momentos do game, mas não deixam de destoar com a qualidade gráfica estabelecida já no início do jogo.

Explorar a Ishimura está mais satisfatória do que nunca. Metralhar Necromorfos está mais satisfatório do que nunca. Vislumbrar Dead Space está mais satisfatório do que nunca.

Um ode à desgraça

A trilha sonora original de Jason Graves está presente no remake, mas o compositor Trevor Gureckis assume novas camadas sonoras com intenções muito palpáveis ao jogador. Digo isso porque a trilha sonora de Dead Space Remake, mesmo que aterrorizante, funciona como um alerta. Ao ouvir o grito de um Necromorfo, instrumentos de sopro e cordas tocam uma mesma nota longa e completamente desconfortável para encher o peito do jogador de medo. É a anunciação da desgraça que trava os dedos e torna a tomada de decisões bem mais difícil do que deveria ser. É como se os Necromorfos ativassem a trilha sonora do game. Um espetáculo sonoro do terror que dá arrepios quando os mutantes aparecem, mas que causam alívio ao fim da última nota. Gureckis consegue ajudar o jogador ao soltar suas notas medonhas para avisar que o perigo está presente no mesmo ambiente que Isaac, mas também consegue acalmar os batimentos cardíacos ao parar sua música para que o jogador volte sua cabeça para seus objetivos.

Veredito

Dead Space Remake refina e eleva toda a experiência do game original a um nível bem além da estratosfera do “gênero” remake, que aparentemente veio para ficar. A história ganha novas camadas e missões para colocar a história de Isaac em um novo patamar, enquanto a jogabilidade, o visual e a trilha sonora se fundem para entregar uma jornada que enche o peito de medo e terror. Você pode até pensar que nem todo remake é necessário – e de fato não é -, mas eu não sabia o quão necessário era um remake de Dead Space. Tampouco sabia que o game entregaria uma experiência tão aprimorada assim, tão encantadora assim. Em 2008, Dead Space virou referência de terror. Em 2023, Dead Space Remake virou referência de remakes.

Dead Space Remake está disponível para PlayStation 5, Xbox Series X e Series S e Microsoft Windows.