A primeira coisa que me vem à cabeça quando penso em Deathloop é “ansiedade”. Não que o game desenvolvido pelo estúdio Arkane Lyon e distribuido pela Bethesda Softworks seja um gatilho ao sentimento em si – embora gatilho é o que não falta meio a tantos tiroteios e pancadarias-, mas a chuva de informações iniciais, possibilidades e contextos do seu mundo atordoam no mesmo nível que sua jogabilidade repleta de explosões, ondas de inimigos e exploração. Porém, antes de mais nada, é preciso entender qual é a grande proposta do game lançado para PlayStation 5 e Windows.
História
Em Deathloop, o jogador encarna em Colt Vahn, um homem que acorda em uma praia e se vê preso em um looping temporal: ele sempre retorna à praia ao morrer ou depois de 24 horas. Colt, que ganhou vida através da performance do ator Jason E. Kelley, precisa se desprender dessa repetição temporal ao eliminar 8 assassinos batizados de Visionários, que, pra ajudar, contam com habilidades diferentes e outras coisas que explicarei nos parágrafos seguintes. Além dos assassinos, Colt também precisa lidar com Julianna Blake, interpretada pela atriz Ozioma Akagha, outra assassina que, por vezes, caça o protagonista durante as missões do jogo. Ambientado na Ilha de Blackreef, Deathloop surpreende ao se desprender do óbvio e da monotonia.
As horas iniciais do game me prestaram um grande serviço – obrigado por isso. Ao invés de ter um tutorial simples e monótono, Deathloop me jogou num mar de informações sobre a jogabilidade e a própria história – inclusive, tal tutorial, assim como o restante do jogo, é guiado por incríveis e hilárias mensagens escritas em superfícies por versões passadas de Colt, como uma espécie de guia fantasma. No começo, sei que retorno à praia se morrer, assim como entendo o funcionamento das armas e interações com um dispositivo improvisado que pode hackear os mais diferentes sistemas, como sensores e torretas inimigas. E enquanto o tutorial rola, o game já informa o que está acontecendo com o protagonista e o que ele precisa fazer. Claro, nem todas as informações são mastigadas na primeira rodada de missões, mas a ansiedade começou a ganhar forma assim que botei o jogo pra rodar.
Assim que Colt identifica sua missão principal, que é eliminar os assassinos e interromper o looping temporal, o jogo carrega mais uma enxurrada de informações focadas tanto em como completar tal objetivo quanto em mecânicas que ajudarão o protagonista a ter sucesso na jornada, incluindo a possibilidade de morrer duas vezes e retornar a um ponto anterior no mapa antes de reiniciar o dia e outras habilidades, como pulo duplo, e até aumento de atributos, como regeneração de vida, que se encaixam em quatro slots escolhidos pelo jogador – o mesmo vale para as armas, que ganham encaixes próprios para que o jogador aplique diferentes mudanças à elas. Há ainda, uma grande informação que aparece: cada assassino libera uma habilidade específica quando é morto por Colt: há uma habilidade que deixa o protagonista invisível por alguns segundos, uma habilidade que explode alvos, outra que permite que o jogador se transloque rapidamente para os lados ou pra frente, e mais. Com o objetivo definido, a ação chega, assim como a morte. Aliás, prepare-se para morrer em Deathloop.
Jogabilidade
Todo visto em primeira pessoa, o game aposta em dois estilos de gameplay ao longo de toda a jornada de Colt: você pode ser cuidadoso e focar em um estilo stealth para eliminar inimigos sem ser visto, assim como também é possível simplesmente empunhar pistolas, metralhadoras, escopetas e granadas para explodir geral. Aliás, digo até que há uma terceira via: se adapte à situação. À noite, mais inimigos aparecem na Ilha do jogo, o que complica o estilo explosivo. Mas, nas manhãs, é mais fácil evitar conflitos e apostar em uma abordagem mais sorrateira. Tudo depende da sua decisão – mas, vale notar, que há um número considerável de inimigos soltos pela Ilha, o que pode fazer com que você morra, e morra de novo.
No entanto, Deathloop não tem muitos interesses em mecânicas complexas quando o assunto é jogabilidade – é mais complicado montar seu arsenal do que partir pra trocação de balas com os inimigos. O gatilho esquerdo do Dual Sense serve como a tradicional mira do gênero FPS, enquanto o gatilho direito funciona como o gatilho das armas. Também é possível utilizar armas pequenas em cada uma das mãos do protagonista, o que transforma o gatilho esquerdo, por exemplo, no gatilho da arma em questão e anula a mira de precisão. Ainda há um botão específico para eliminações sorrateiras (R1) e outros tradicionais botões, como o de pulo, o de agachar, e por aí vai – nada novo sob o sol.
Tudo muda quando o assunto é proposta de jogo. Levando em conta o seu próprio título, Deathloop não é só sobre atirar e matar “chefões”, tampouco somente um game de ação, é sobre como desvendar e entender um looping temporal para poder, enfim, acabar com repetições mortíferas. Na minha experiência, o título da Arkane dá uma ótima virada quando entendi sua proposta: para poder eliminar os oito assassinos em 24 horas, é preciso explorar quatro períodos de um dia em sequência e sem poder voltar no tempo, ou seja, você começa de manhã, vai para o começo da tarde, depois para o fim da tarde, e, enfim, para a noite. É impossível pular da tarde para a manhã, por exemplo. É preciso seguir a cronologia de um dia inteiro e matar os oito assassinos no trajeto. Para isso, é fundamental reúnir pistas que revelam a rotina dos inimigos vivendo – revivendo – não só um, mas inúmeros dias. É desta forma que jogadores entendem que a trocação de tiro vira uma consequência, já que, antes da porradaria final, é preciso bolar não só uma estratégia, mas um verdadeiro plano de ação.
Isso tudo significa que é preciso descobrir quais assassinos dividem um mesmo período do dia para que Colt mate dois coelhos com uma cajadada só. Afinal, mesmo que se você eliminar cinco Visionários em 24 horas, por exemplo, Colt retornará para a estaca zero quando o looping ativar. Tudo isso me parece repetitivo enquanto escrevo, mas a cada pista nova, a cada tiroteiro e a cada descoberta, o sentimento de concluir o game se renova – o famoso “gostinho de quero mais”. Há ainda uma grata surpresa que me pegou de jeito. Julianna, que até então me parecia uma NPC que aparecia em momentos determinados do jogo para eliminar Colt, pode ser controlada por outros jogadores que vão invadir suas partidas através do servidor online do game para tentar fazer exatamente o que se espera de uma assassina: matar. Inclusive, meu primeiro contato com tal possibilidade aconteceu de surpresa, sem eu nem perceber. Enquanto me espreitava no topo de um prédio, comecei a receber uma chuva de balas do nada. Era ela. Ou melhor, era outro jogador. Em outro momento, Julianna, controlada pela própria Inteligência Artificial do game, estava me esperando em determinado lugar da Ilha. Foi só quando ela me viu que partiu pra ação. A personagem, além de cativante, acaba virando um grande “Kinder Ovo” em Deathloop: sempre uma surpresa. Isso tudo me mostrou que Deathloop consegue cativar mais pela forma como o jogador deve conduzir e reagir à sua própria jornada – e a de Colt – enquanto deixa a jogabilidade como uma mera formalidade, e isso é algo que funciona absurdamente bem.
Ainda preciso destacar outra grata surpresa: a forma como o game consegue mostrar o potencial do Dual Sense do PlayStation 5. É notável a mudança de gatilhos entre armas, assim como é possível sentir super bem os passos que Colt dá pelo mapa. Mas o que mais me surpreendeu foi como a Arkane usa super bem o alto-falante do controle. Sempre que Julianna se comunica com o protagonista através de alto-faltantes dentro do jogo, sua voz sai do Dual Sense com camadas e filtros que simulam muito bem a experiência de ouvir alguém por caixas de som. Não só isso, o controle ainda explora efeitos sonoros, como a queda de cartuchos de bala e o aparato que jogadores usam pra hackear dispositivos.
Gráficos
Diferente de outros títulos da Arkane, Deathloop quebra a monotonia e frieza visual e se joga em cores vibrantes e festivas enquanto os gráficos dão um show de detalhes em partes específicas, além de tirar um ótimo desempenho do Ray Tracing – o nível é tão bom, que até a maionese de um sanduíche conta com iluminação dinâmica. No entanto, admito que sofri com quedas de frames bem chatas quando ativei a tecnologia, mas bastou desativar o recurso que a performance permaneceu constante até mesmo durante explosões e tiroteios mais pesados.
Graficamente falando, sinto que Deathloop consegue balancear super bem o seu espetáculo colorido com o detalhamento de personagens e da arquitetura de edifícios, além das próprias sequências de ação com tiros, explosões e facadas. Não são gráficos de cair o queixo – e acho até que essa nem é a proposta -, mas o conjunto visual formado por formatos, cores e luzes funcionam perfeitamente e só aumentam a diversão. Pra ser sincero, Deathloop me pareceu uma “variante” – bem distante – de Team Fortress 2. Há humor, há tiroteio, há explosões e há um visual caricato. Talvez por isso eu tenha gostado tanto do jogo.
Trilha Sonora
Não achei a trilha sonora de Deathloop excepcional, mas ela não deixa a desejar. Enquanto exploro o mapa, uma música tranquila e com notas misteriosas dita a aventura sem interferir na experiência. Mas é ao entrar em disputas de tiros contra inimigos que o game se liberta e distribui notas mais agressivas, que condizem com os desafios. A música fica sempre em segundo plano, mas admito que, às vezes, a vontade de quebrar a monotonia sonora ao provocar inimigos apareceu só pra ouvir guitarras explodindo.
Veredito
Deathloop é, sem sombras de dúvidas, um ótimo game. Enquanto personagens exploram seus lados humorísticos com diálogos e ações divertidas, a grande proposta de explorar o lado mais estratégico dos jogadores, mesmo que em um game de ação mega caricato, é de encher os olhos. A morte deixa de ser um problema quando entendemos que, no fim das contas, ela é uma aliada. A repetição de explorar as mesmas regiões também não é um problema, já que diferentes períodos do dia apresentam novidades e pistas à Colt. Já a mecânica simples se encaixa perfeitamente na proposta e mostra que menos é mais: mire, atire, se esconda, use habilidades ou simplesmente corra, não precisamos mais que isso aqui. Para os fãs de ação e boas histórias, Deathloop é tiro e queda. Se prepare para morrer – várias e várias vezes -, mas também se prepare pra níveis de diversão altíssimos.