A última grande obra de Yoko Taro foi lançada em 2017 em NieR: Automata. O jogo foi um grande sucesso e trouxe muita visibilidade ao excêntrico diretor e seu trabalho. Mas por que o jogo foi tão aclamado? O que ele traz que outros jogos não trazem?
Para responder isso, é preciso mergulhar no mundo de NieR: Automata, ultrapassando algumas de suas paredes invisíveis.
Esta análise foi possibilitada devido a assinatura do Game Pass cedida pela Microsoft.
O ano é 11945 d.C. A androide “2B” é enviada para a Terra junto de seu esquadrão para derrotar uma gigantesca máquina de classe Goliath e estabelecer um ponto de entrada para seus aliados. No caminho, as androides sofrem um ataque fulminante de lasers derrubando quase todas as enviadas, restando somente a 2B, que precisará derrotar a ameaçadora máquina apenas com a ajuda de um outro androide de classe Scanner, chamado “9S”, um batedor enviado anteriormente para obter informações do local da missão.
Após milhares de anos de guerras entre a humanidade e seus androides contra os alienígenas e seus robôs, o mundo está em ruínas, as fábricas estão enferrujadas, os prédios estão aos pedaços, sem sinal de vida alguma além dos animais silvestres que retomam as áreas urbanas destruídas.
Apesar de o setting do jogo parecer um tanto genérico, com um futuro apocalíptico e tecnológico, NieR: Automata se destaca das outras obras por se passar quase 10.000 anos no futuro e, mesmo assim, ainda reter muitas características do mundo atual. Esta dissonância leva a uma estranheza e familiaridade que são multiplicadas quando se descobre que o jogo se passa no mesmo universo de Drakengard, outro jogo de Yoko Taro, onde dragões e magia foram descobertos no nosso mundo.
Desenvolvido pela Platinum, já era de se esperar que o combate fosse bastante polido e gostoso de se controlar. Frente a toda essa expectativa, o combate parece bastante simplório, com combos e mecânicas simples que apenas formam uma base sólida para que o verdadeiro foco, e real ponto forte do jogo, possa brilhar: sua surpreendente narrativa e história.
Tendo este esclarecimento em mente, o jogo fica bastante mais palatável. Logo em seus primeiros momentos, fica evidente que ele tem várias limitações. Constantemente nos deparamos com paredes invisíveis, impedindo acesso a áreas que, em outros jogos, com outros escopos e outras propostas, seriam totalmente acessíveis.
Visualmente, também, o jogo transparece suas limitações. Texturas feias, borradas ou simplesmente reutilizadas demais são recorrentes em todos os ambientes, assim como alguns modelos de personagem estranhos, deixando claro que o grande investimento gráfico foi para os modelos dos personagens principais, não deixando muita sobra para os outros recursos.
Uma atenção especial foi dada a trilha sonora, que é implementada em camadas e, no geral, possui duas versões, uma mais calma e uma mais indicada para os momentos de ação. Cada uma entra no momento certo. Nos momentos em que estamos explorando algum ambiente que demanda mais atenção, com inimigos ou talvez em busca de algum item específico, a música apenas acompanha, com sua parte instrumental, mas logo que chegamos a uma parte mais contemplativa, onde estão algumas das telas mais bonitas, ou em alguma batalha relevante para a progressão da história, a trilha se eleva, literal e figurativamente, e é complementada pelos belos vocais, dando aquele toque especial, reservado aos ápices da narrativa.
Como o jogo introduz algumas facilidades, como o sistema de fast travel, em um ponto mais avançado do jogo, esse sistema dinâmico da trilha sonora faz com que as várias horas gastas apenas se deslocando de um lugar para outro sejam menos entediantes, dando tempo para apreciá-las com calma e atenção enquanto, ao mesmo tempo, se coleta os diversos itens aleatórios espalhados pelo mapa.
Foi feito um bom trabalho de localização para o inglês de todo o texto do jogo. As side-quests ficam apenas no texto escrito, mas a campanha principal possui diálogos em áudio tanto em japonês quanto em inglês. Infelizmente não há localização alguma em português.
Tendo estabelecido tudo isso, a parte que mais chama atenção do jogo está em sua progressão…
[SPOILERS A PARTIR DAQUI]
Diferente de jogos “normais”, nos quais os créditos apontam o final da jornada, NieR: Automata utiliza seus diversos finais como divisões de capítulos. A intenção é tão evidente que os finais já feitos ficam indicados no seu arquivo de save, cada um representado por uma letra do alfabeto.
A história principal do jogo é contada nos finais de A a E. O primeiro arco (do final A) conta a jornada da 2B. O final B já dá uma reviravolta e te coloca no papel do companheiro da “protagonista”, o androide 9S, e traz uma nova mecânica de hackear inimigos e cadeados. Algo semelhante a jogos shmups ou bullet hells. Os finais seguintes adicionam a A2 aos personagens jogáveis e, em cada sessão, aprofundam mais a história do mundo e seus personagens, tocando em vários pontos, alguns não tão fáceis de serem abordados, como suicídio, e outros mais corriqueiros, como o poder da amizade e segundas chances.
Uma das maiores qualidades do jogo vem justamente das várias novidades que apresenta, sempre te deixando ansioso para descobrir o que mais está por vir, mas o jogo peca por ter sessões que parecem um pouco esticadas, principalmente nas duas primeiras empreitadas, referentes aos finais A e B, que são muito semelhantes e deixam a experiência um pouco maçante, representando uma das maiores barreiras a se transpor.
O “mundo aberto” é grande e dividido em algumas áreas muito bem definidas. Uma cidade em ruínas, um parque de diversões, uma floresta… Todas elas têm suas side-quests que, novamente, ajudam a ilustrar a vida neste mundo de uma forma crua, não se escondendo atrás de meias palavras, muitas vezes indo um passo além do esperado e mostrando motivações, atitudes e consequências que, em outros jogos, nem sempre são exploradas.
Então, o que NieR: Automata traz que os outros jogos não trazem? Um formato diferente de contar sua história que talvez só seja possível nos games e que remete a grandes clássicos do cinema, como Amnésia ou Clube da Luta, brincando com a nossa percepção, incrementando e construindo o nosso entendimento com cada novo personagem. Tudo iniciado por uma primeira experiência que explica o suficiente para começarmos a nos sentir parte desse mundo, mas que também deixa pontas soltas evidentes o suficiente para gerar questionamentos, mostrando que os recursos limitados foram investidos com maestria onde gerariam o maior impacto.