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Análise: Pokémon Legends: Arceus

Com a comemoração de 25 anos de Pokémon no ano de 2021, a The Pokémon Company entrou em um largo circuito de anúncios e novidades envolvendo os monstrinhos de bolso. Entre diversos anúncios para o ano de 2021, como o remake de Pokémon Diamond e Pokémon Pearl, uma nova aventura revisitando a mesma região de Sinnoh foi prometida para o início de 2022, com Pokémon Legends: Arceus.

O trailer já animou de cara por fugir de tudo que a franquia está acostumada a apresentar, a começar com uma região que, apesar de já conhecida, é explorada em uma época diferente. Este novo cenário está aliado a movimentação livre de mundo aberto por todo o jogo, iniciais diferentes dos habituais, sendo misturas de outros jogos, áreas vastas de exploração e vilarejos feudais, com a promessa de se aprofundar no até então mais poderoso e influente Pokémon, levando seu nome até no título.

Reformulando toda a relação dos Pokémon com os fãs da franquia e com o próprio sistema que os jogadores estão acostumados, Legends chega para implementar muito do que sempre foi pedido e surpreender com o que nunca foi imaginado, redesenhando o conceito do futuro ao quebrar paradigmas tradicionais.

Estas é nossa análise sobre Pokémon Legends: Arceus, lançado exclusivamente para Nintendo Switch em 28 de janeiro de 2022. Esta análise só foi possível graças à chave digital do jogo, fornecida pela Nintendo.

Uma viagem no tempo visita o passado e mostra o futuro

Diferente do habitual em outros jogos da série principal de Pokémon, o começo aqui é misterioso e um pouco mais sci-fi que qualquer início que a franquia já trouxe em outros jogos. A aventura começa com a chegada inesperada do personagem principal em uma região que não conhece, sem moradia ou qualquer tipo de reputação que o faça ser aceito pelo vilarejo mais próximo.

Quem recebe o herói é o Professor Laventon, um estudioso que fica nos grandes campos analisando os Pokémon e seus comportamentos. Após algumas perguntas, o Professor explica que muito sobre os Pokémon ainda é desconhecido para as pessoas, com as PokéBolas sendo inclusive uma invenção recente e de difícil manuseio pelo povo, que vê os Pokémon como criaturas ameaçadoras a serem temidas. Para entender melhor todos esses mistérios e ter um melhor convívio com os monstrinhos, a Vila de Jubilife organizou clãs e patrulhas para partir para expedições em busca de mais informações sobre eles.

Por aqui não tem nada sobre ser um Mestre Pokémon. Após colocar algumas habilidades do protagonista à prova, em troca de um espaço na Vila e reconhecimento, o herói fica encarregado em ajudar nas patrulhas e nas pesquisas para disseminar o conhecimento sobre as criaturas. Isso altera quase que completamente a relação do personagem principal com a PokéDex, que está mais exigente do que nunca, usando como premissa o peso do estudo para a captura. Espere capturar a mesma espécie diversas vezes e em diferentes condições de combate e de abordagem, tudo aqui é útil para que se saiba mais sobre os Pokémon. Toda essa exploração envolve também a reputação e confiança do mais novo patrulheiro perante o vilarejo, com algumas missões secundárias requisitadas pelos próprios habitantes.

Mudando velhos costumes para bons novos hábitos

A livre exploração permite uma nova interação com o mundo Pokémon, que, somada ao desconhecido e a função de desbravamento da patrulha, traz uma bagagem muito interessante sobre a interação dos humanos com os Pokémon, alimentando um confronto direto com temperamentos e reações distintas dos monstrinhos ao estar em contato com eles em campo aberto.

O foco no protagonista da aventura é inédito e muito divertido. Se em outros jogos da franquia víamos o personagem principal como um “peão” que caminha de lá para cá para acumular batalhas e insígnias, aqui vemos um foco forte em gerenciar sua própria sobrevivência e o contato com os biomas. Não espere um protagonista imortal ou passivo no mapa, já que os Pokémon agora percebem a presença do Patrulheiro, podendo atacar ou fugir, exigindo capturas furtivas e caminhadas planejadas, além de quedas altas ou o excesso de ataques recebidos resultarem em uma perda de consciência e itens, o que faz com que o jogador desenvolva uma cautela e gerencie muito bem o que leva consigo, afinal, ao apagar, alguns itens são deixados no caminho.

Falando em gerenciar itens, mais um ótimo acréscimo de RPG que extingue as PokéMarts é a possibilidade de confeccionar itens, incluindo o Revival e até mesmo a própria PokéBola. O gerenciamento existe, pois, caso diversos itens sejam fabricados de uma vez, um apagão do personagem em campo faz o excesso de itens ser deixado para trás. Seguindo essa lógica, automaticamente cria-se uma consciência e um cuidado de carregar no inventário apenas o necessário. O limite de itens que podem ser carregados também dá ainda mais força a esta estratégia organizada.

Legends: Arceus é muito focado na exploração e isso é muito bem alimentado por diversas mecânicas de RPG, como acampamentos para descanso, baús para armazenar itens e um contato mais forte do protagonista com os Pokémon, tanto de sua Party quanto com os selvagens espalhados. É possível mandar um Pokémon pegar frutos em uma árvore ou quebrar um material do cenário enquanto caminha e parte pra uma captura que não envolva uma batalha, por exemplo. As tarefas simultâneas são bem dinâmicas e o excesso de missões diferentes faz com que o combate não seja o foco principal, como sempre foi anteriormente.

A mais bela aventura, porém longe da perfeição

É quase inevitável não olhar para Legends sem lembrar de Breath of the Wild. A evolução, em suas devidas proporções, é muito parecida e provavelmente irá determinar o caminho da franquia deste ponto em diante. Enquanto Link e Zelda parecem ter seu mundo e detalhes muito bem definidos, em Pokémon esse mérito ainda é exclusivo apenas dos… Pokémon. Os cenários estão, sim, imensamente superiores a qualquer outro produto que a franquia já trouxe, até comparando com a última geração em Sword e Shield, mas as melhorias ainda deixam espaços para comentários construtivos, sim.

As áreas abertas estão performáticas e muito funcionais, então o gostar ou odiar a visão artística do jogo vai afetar apenas seu indicador estético individual. Tirando uma árvore ou outro objeto bem ao fundo que insiste em aparecer e desaparecer e algum outro efeito visual distante, como o voar lento de um pássaro, tudo ao redor e perto do personagem funcionou muito bem durante as sessões de jogatina.

O que incomoda são alguns pequenos elementos que parecem estar em resoluções diferentes e borradas, isso mesmo jogando no Modo Dock. Texturas como os símbolos nos trajes ou sombreamento nos cabelos de alguns personagens e até algumas iluminações em momentos noturnos serão estranhamentos comuns dos mais atentos. O ponto que defende esse problema é que não existiu um jogo de Pokémon com tantos personagens e cenários novos, diferentes entre si e o melhor, com carisma. Isso traz muita vida ao mundo Pokémon, e se o sacrifício para isso forem algumas texturas a desejar e uma estabilidade na aventura, vale a pena.

Nostalgicamente tocando corações e ouvidos

Por se tratar de Sinnoh em uma época diferente do que foi mostrado em Diamond e Pearl, já era de se esperar menções a nomes, locais e até mesmo semelhanças físicas entre os descendentes da região. Mas algo que não estava sendo contabilizado e surpreendeu muito foram também as referências musicais, em trilhas e momentos específicos da jogatina.

A começar pela flauta que chama Wyrdeer, que emite um som que nem está dentro do jogo de Diamond e Pearl, mas sim o efeito sonoro da tela inicial, a atenção aos detalhes é muito interessante de ser notada e jogada. Ainda usando a licença poética da comparação com Breath of the Wild, em diversos momentos existem músicas pacíficas, com leves toques de piano, bem similar ao que pode ser escutado em algumas caminhadas por Hyrule.

Ainda falando sobre o campo aberto, o equilíbrio entre trilhas é necessário e muito bem executado. O clímax musical pode partir de uma calma caminhada para uma intensa batalha e esses dois cenários distintos conversam muito bem, já que nenhuma música nunca “atropela” a outra para ter destaque, mas sim convivem em bons ritmos, quase como se uma aguardasse a entrada da outra a qualquer momento.

As músicas nas vilas e em lugares mais estáticos são leves e pouco marcantes, nada que irá compor seus próximos assobios como a clássica música de Lavender Town, mas cumprem seu papel necessário de serenidade, já que existe o contraste de estar em campo constantemente. Outros efeitos sonoros como o som de captura e itens no menu continuam lá, em uma releitura tão sutil que equilibram o tradicional com a nova proposta.

Veredito

Assim como os próprio Pokémon, a franquia parece ter evoluído com a chegada de Legends. Os conceitos de RPG são simplificados mas úteis o suficiente para serem necessários e fáceis de usar. A relação com os Pokémon também muda e é completamente redesenhada, saindo do conceito de sociedade que já convive e entende os monstrinhos, para uma época de medo e incertezas, com tecnologias no início de sua implementação.

O foco no personagem é outro ponto que a franquia não pode simplesmente não trazer mais em próximos títulos. As lutas com os Lords são inteiramente focadas no personagem principal desviando e acalmando o frenesi antes mesmo dos Pokémon saírem de suas PokéBolas e esse novo tipo de interação traz uma gama enorme de possibilidades. A tradicional batalha por turnos se mantém, com a adição de poder se mover livremente em volta do combate, expondo-se a danos e cancelando o confronto caso afaste-se demais. Esse foco no personagem resulta em um começo da jornada e outros momentos muito mais dialogados que qualquer outro game, mas muito justificado, pois entrega a imersão necessária. Infelizmente, nada de PT-BR por aqui.

Pokémon Legends: Arceus trouxe muito do que os fãs sempre quiseram e novidades que talvez ninguém tivesse pensado, mas que foram muito bem implementadas. A exploração e o contato com a Dex do game estão maduros e superiores a qualquer experiência do passado, além de inserir isso num mundo carismático e denso o suficiente para sustentar todo esse avanço. O futuro parece promissor e é quase irônico justamente um título focado no passado da franquia trazer essa sensação. Que venham mais e melhores incrementos para a franquia, usando este jogo como ponto de partida.