Welcome stranger! Alguns poderiam estar se perguntando, por que uma matéria desse game agora, sendo que o mesmo foi lançado faz meses (quase um ano), quais os motivos desse jogo chamar tanta atenção do público, mídia especializada e até de outros públicos X. A obra-prima da Ninja theory é um marco na indústria dos games, e seu estudo, observação, o fenômeno do game florescer nesse meio, foi uma tarefa árdua, mas que mostrou muito para esse humilde escritor.
Um breve resumo para o leitor desconhecido, Hellblade: Senua’s Sacrifice é um game independente AAA, um jogo de uma produtora que quer fugir dos laços comerciais das grandes produções, evitando investimentos externos com pressão de vendas garantidas, que muitas vezes torna/obriga a produção a entregar um jogo comercial de enredo engessado. E foi justamente isso que a produtora evitou, eles fugiram das amarras, do “Arroz com feijão” do jogo AAA. Lembrando que ele continuou sendo um jogo com grande envolvimento e cheio de profissionais, caracterizando ele como um independente AAA.
Ao primeiro momento ao se ler a sinopse do game, achamos que estamos novamente na frente de uma aventura clássica de “A jornada do herói”, caracterizada pelos fatores já batidos por diversas mídias, o chamado – queda – jornada – redenção. Sendo desta vez caracterizado por uma mulher celta em uma jornada por vingança contra os povos do Norte. Clichê? Aparenta, né. Mas, os clichês acabam por ai.
Nossa protagonista busca resgatar a alma de seu amado Dillion, morto pelos nórdicos, sendo esta sua jornada, ok e qual a dificuldade? A maior dificuldade, é nada menos que o maior inimigo de toda a nossa geração e possivelmente das gerações futuras. Nós mesmos.
Nossas instabilidades psicológicas, traumas e sofrimentos psíquicos, patologias sendo de nascença ou construção social, aqueles fatores que destroem a vida e qualidade de vida de muitos, a depressão, stress, paranoia, esquizofrenia e psicose. Todos esses traços que se agravam na sociedade atual, altamente competitiva e desumana. São os maiores inimigos da nossa aventureira, e de nós mesmos – sobreviver a si próprio.
Os distúrbios psicológicos já foram brutalizados nas mídias, desde o Coringa até o game Manhunt, sendo sempre uma postura forte e atuante tornando o portador uma vítima e carrasco ativo da sua situação. Senua não segue esse padrão idealizado do problema psicológico, pelo contrário, mostra uma garota às vezes forte e também indefesa que convive com suas “fúrias” as vozes que falam com ela, criticam, apoiam, denigrem e em momentos até mostram indiferença. A protagonista é forte, mas, em outros momentos demonstra uma fragilidade, uma sensação de solidão, perda e confusão mental que mostra uma visão muito realista dessas pessoas que transitam à nossa volta no mundo real, mostrando como essa condição pode ser algo forte e mesmo assim essas pessoas te dão bom dia sorrindo.
Toda a obra foi criada com apoio de profissionais da área, e com as expressões da Senua sendo criadas e gravadas com equipamento de última geração para a fidelidade das expressões/sentimentos da protagonista, sendo não uma criação digital e sim uma interpretação merecedora de prêmios (melhor performance no Game Awards) da atriz estreante Melina Juergens.
O maior prêmio que os produtores de Hellblade ganharam não está mensurado em palavras em volta de folhas douradas logotípicas, e sim, no sorriso e sensação de missão cumprida em cada um dos membros do time, eles conseguiram quebrar o ciclo, o ciclo do jogo clichê, e o ciclo das empresas comerciais AAA. Eles pularam fora, e criaram arte em meio a mesmice, como explicaram em uma palestra. Eles pularam fora da roda e estão ajudando a criar algo novo, o Indie AAA, uma criação que é uma transgressão, uma vanguarda, pega todo o potencial do AAA e usa de forma criativa, nova, impactante, isso é arte.
Inovar, e com certeza Hellblade inovou, ao desmistificar e tirar essa gloria profana das enfermidades psicológicas e nos trazer a face real, frágil, humana e desorientada que temos no mundo, que habita dentro da gente. Trazer um pouco de nós, mascarar em Celtas, nórdicos e fúrias e tornar o lúdico uma lição para a vida toda.
Segue link escrito da palestra, recomendo para todos aqueles que querem criar obras de arte jogáveis, criações como Hellblade. Meus sinceros parabéns à Ninja Theory e principalmente para a talentosa Melina Juergens.