“A vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena”, célebre frase do Seu Madruga, da série mexicana Chaves, é uma definição precisa de Sifu, novo game do estúdio Sloclap, também responsável por Absolver. Em uma ambientação repleta de kung fu, porradaria e mortes, o game disponível para PlayStation 4, PlayStation 5 e PC mistura perfeitamente a trocação de soco com uma história de vingança e muita, mas muita dificuldade. A Casa do Cogumelo recebeu uma cópia digital do jogo e traz uma análise sobre todos os pontos do game, que me gerou os mais puros sentimentos de surpresa, raiva e satisfação.
História
Sifu conta a história de um protagonista que presencia a morte do pai em seu Santuário. O protagonista também morre, mas um talismã o traz de volta à vida para se vingar. Em busca de vingança, o personagem precisa enfrentar cinco mestres de artes marciais em cinco fases diferentes para atingir uma paz interior e acalmar seus mais sentimentos vingativos. A cada fase, ondas de inimigos diferentes aparecem. A cada fase, um chefão diferente deve ser derrotado. A cada fase, um pedaço da história do protagonista se conclui.
Destaco que a história em si não é absurdamente aprofundada, uma vez que a trocação de chutes, socos e combos são mais evidenciadas nas fases. Como o foco é a porradaria, faz sentido que a jornada do protagonista, ou da protagonista, já que é possível escolher o sexo do personagem, fique em segundo plano. Mas como sou fã de diálogos e interações com personagens e itens, senti falta de poder entrar ainda mais de cabeça na história do game. Também destaco que a falta de aprofundamento na história não é algo negativo, mas o gostinho de quero mais bate forte ao longo do game.
Jogabilidade
É nas diferentes mecânicas de jogo que Sifu triunfa. Para não deixar dúvidas, dividirei este assunto em cada uma das ramificações da jogabilidade do game, incluindo o que penso sobre as lutas, combinações de ataques e defesas, habilidades desbloqueáveis, chefões e o grande diferencial mecânico: o sistema de mortes.
Com a visão permanente em 3ª pessoa, Sifu aposta em um sistema beat ‘em up de combates em cada uma de suas fases. Ao iniciar uma fase, como Os Cortiços, por exemplo, é preciso dar poucos passos até que a primeira onda de inimigos apareça – e aí começa o caos. Diferente de jogos do gênero, em que cada oponente ataca por vez, Sifu pega pesado com muitos adversários atacando ao mesmo tempo. Para ter sucesso, entendi que, às vezes, é melhor combinar poucos ataques em um mesmo adversário para quebrar seu Equilíbrio e finalizá-los um a um, principalmente com a combinação do Triângulo e do Círculo, que finalizam um inimigo e disponibilizam mais pontos de experiência que podem ser usados para desbloquear novas habilidades. Tudo fica mais fácil brandindo um cano ou um pedaço de bambu, mas mesmo com alguma arma em mãos, não é fácil desviar de tantos oponentes.
As mecânicas de combate e a combinação de ataques não é complicada, já que são poucos os botões que executam ataques diferentes. Sem contar em uma barra de Foco, que disponibiliza mini especiais, como uma rasteira que derruba um adversário ou ataque com foco nos olhos que desestabiliza um inimigo. Em questões de porradaria, Sifu ainda oferece belas variedades, como jogar garrafas e outros objetos do cenário em um inimigo. Mas a dificuldade das lutas entra no caminho.
E por falar em dificuldade, saiba que Sifu é um jogo difícil. Mas essa dificuldade não é só focada em enfrentar ondas de inimigos, uma vez que os mini-chefes e os próprios chefões do jogo também apresentam diferentes estilos de luta. A dificuldade progride tanto nestes pontos, mas também um sistema de mortes. A cada morte no jogo, o protagonista fica um ano mais velho. E há ainda uma pegadinha: depois de morrer pela primeira vez, vi que o contador de mortes aumentou para 2, o que significa que, na próxima vez que o protagonista morrer, ele ganha mais dois anos de vida – o contador diminui quando um mini-chefe ou um chefão é derrotado. Na primeira vez que joguei, comecei a primeira fase com 20 anos, mas só a concluí com 67 anos, ou seja, um senhor em busca de vingança. Ao envelhecer, a barra total de vida do protagonista diminui, mas sua força aumenta. Já em uma segunda tentativa, a idade final foi para 34 anos, até que, em inúmeras tentativas depois, consegui concluí-la e partir para a segunda fase com 21 anos. Vale destacar que o limite de idade do protagonista é 75 anos e, caso ultrapasse esta idade, o jogador precisa recomeçar a jornada em uma das fases desbloqueadas.
Primeiro, me senti intelectualmente incapaz de entender o sistema, pois acreditei que o contador iria resetar ao passar de fase. Depois, ao entender o sistema de mortes, compreendi que todo cuidado é pouco e que, a cada morte, a frustração aparecia. Seria impossível terminar a primeira fase com a idade inicial? Seria. E aí, me senti incapaz de enfrentar a proposta do game. Por fim, a realização total veio: Sifu é um jogo que exige aprendizado. É preciso entender a movimentação e os ataques dos adversários. É preciso entender quais os melhores caminhos para uma fase mais “tranquila”. E também é preciso entender como gastar pontos de experiência em habilidades desbloqueáveis.
Sifu conta com 24 habilidades desbloqueáveis, que podem ser adquiridas antes de renascer ou antes de entrar em uma fase. Embora o jogo seja bem claro sobre o que a habilidade em questão faz, só tive total percepção dos seus desempenhos ao desbloqueá-las e testá-las na prática. Das que mais gostei, a Rasteira e poder usar objetos dos ambientes a meu favor foram as que mais me deram resultados positivos, mas quando e quais priorizar fica totalmente em aberto durante as partidas. Há ainda habilidades que precisam gastar anos de vida do protagonista, mas não me permiti apostar nelas, já que manter a idade intacta do personagem seguiu como a maior prioridade do game. A grande variedade de habilidades ajuda, e muito, na conclusão da história de Sifu – além de ajudar nos próprios combates, claro.
Cada chefão do jogo apresenta ataques e movimentos diferentes. E é nos chefões que se estabelece a maior dificuldade de Sifu. Perdi a conta em quantas vezes morri ao enfrentar um deles e tive que reiniciar as fases para não avançá-las com um protagonista idoso. Mas é ao entender cada padrão, cada movimento, que é possível ter sucesso no jogo. A frustração, aos poucos, abre espaço para o alívio.
Gráficos
O visual de Sifu encheu meus olhos do começo ao fim. Com gráficos mais neutros, mas bem detalhados e que se assemelham a ilustrações e pinturas, o game atinge seu espetáculo gráfico aos poucos. Enquanto a primeira fase é inundada por vegetação, os mapas seguintes apostam em cores vibrantes ou em ambientes grandiosos e super bem detalhados para aumentar ainda mais a imersão. Seja na neutralidade das cores do Museu e suas salas enormes e belas, ou na escuridão colorida da Casa Noturna, Sifu tem elementos visuais primorosos que caminham lado a lado não só à história, mas toda a jornada do protagonista em busca de vingança. Não há elementos mais elaborados durante a pancadaria, como um olho roxo ou até mesmo sangue, mas a proposta não é a agressividade das lutas, mas sim a coordenação e a beleza artística.
Trilha sonora
Por prestar uma grande homenagem às histórias de Kung Fu, seria inesperado que a trilha sonora de Sifu destoasse da sua proposta. Isso significa que, ao longo de todo o jogo, as músicas Howie Lee seguem a temática e apresentam cordas e batidas tradicionais da China. Mas mesmo investindo na imersão tradicional chinesa, Lee consegue atualizar as batidas e tons para que se encaixem ainda mais na contemporaneidade, fazendo com que o velho e o novo se misturem e inundem os ouvidos enquanto a porradaria come solta.
Veredito
Sifu passa longe de ser um jogo fácil, mas seu leque de sistemas e qualidades o tornaram, para mim, uma obrigação aos fãs de beat ‘em up e de pancadarias honestas. Entender o game e todas suas qualidades pode ser algo trabalhoso, principalmente na hora de escolher habilidades e entender os padrões de ataques dos inimigos, mas quanto mais se joga, mais longe é possível chegar sem que o jovem protagonista se torne um idoso fragilizado. A vingança, no fim das contas, é plena, sim.