Análises

Análise: Death’s Door

Embora a morte seja um ponto final nas nossas vidas, ela segue caminhos diferentes no lúdico mundo dos games. Em Deathloop, você precisa morrer para descobrir segredos que te mostrarão o caminho ao final do jogo; em MOBA’S ou shooters em primeira pessoa, sua morte pode definir o destino de uma partida; já em Death’s Door, game desenvolvido pela Acid Nerve e publicado pela Devolver Digital, a morte trilha passos melancólicos, divertidos e um tanto quanto desafiadores. E embora o game não apresente incríveis novidades mecânicas, sua construção como um todo é muito bem projetada e entrega uma aventura difícil de deixar de lado. Death’s Door Foi lançado para Windows, Xbox One e Xbox Series X / S, PlayStation 4 e PlayStation 5 em julho deste ano, mas acabou de chegar ao Nintendo Switch como um dos títulos essenciais aos amantes de games indie, em especial para quem é fã da clássica franquia Zelda e quer se divertir no modo portátil do console em uma bela e desafiadora jornada.

História

Um pequeno corvo, que branda uma espada vermelha, caminha por um cenário cinza e entra em um prédio. No controle da ave de penas escuras, descubro que ele é um ceifador que trabalha para uma organização coletora de almas responsável pela morte dos seres vivos, o Comitê dos Ceifadores de Almas. E é logo nos segundos iniciais do jogo que entendo a missão principal: coletar três Almas Gigantes que irão abrir a Porta da Morte (que carrega o título do jogo). É abrindo tal porta que o corvo permanecerá vivo. A rápida premissa, no entanto, ainda abre espaço pra muita coisa, principalmente quando o assunto é o encontro com diferentes personagens e os vilões, quebra-cabeças, exploração, combate contra ondas de inimigos e confrontos com chefões. Aos poucos, é possível entender que a narrativa em si não é o grande foco de Death’s Door: o game prefere apostar na ação e nos desafios.

Para encarar tais desafios, o jogo disponibiliza diferentes portas na Sede do Comitê dos Ceifadores de Almas que instantaneamente teletransportam o corvo para os principais ambientes do jogo, como um cemitério de almas, a mansão de uma bruxa e muito mais. Não é possível acessar mapas ou ter qualquer referência cardial, mas por contar com cenários pequenos, é fácil se localizar através de pontos de referência, como pontes e outras estruturas, além de placas que apontam diferentes locações. Aliás, aqui vai um ponto incrível dos detalhes do jogo: se você atacar uma placa com uma arma, ela é cortada ao meio, assim como as caixas de texto, que aparecem tanto para dar informações quanto nos diálogos dos personagens. Pequenos detalhes que amamos.

Reprodução: Devolver Digital

Jogabilidade

Mecanicamente falando, Death’s Door é um game simples e que vai direto ao ponto. Você pode caminhar, rolar no chão, atacar com armas, como a espada mencionada, um guarda-chuva ou um martelo, além de também ter um leque de magias diferentes, como uma rajada de fogo, uma bomba de energia ou um arco e flecha. Tal simplicidade ajudou minha experiência, uma vez que o game é asbatecido por ondas e mais ondas de inimigos ao mesmo tempo enquanto aposta em mecânicas de hack’n’slash e reserva em seus chefões os momentos mais difíceis. É na rápida combinação entre esquiva com o rolamento, ataques com a espada e o uso de magias que obtive sucesso – na maioria dos casos. Digo na maioria dos casos porque Death’s Door tem um “pézinho” no gênero souls-like ou até mesmo numa característica gritante de games como Cuphead: os chefões do game mudam seus padrões de ataque cada vez que sofrem mais dano dos jogadores.

Um bom exemplo é Betty, uma Yeti em uma área de gelo do mapa que precisa ser derrotada para que o pequeno corvo colete sua Alma Gigante. Betty começa o confronto pulando na direção da ave ceifadora de almas – controlada por nós, jogadores – e golpeando o chão. No entanto, quanto mais dano ela sofre, mais diversificado ficam seus avanços. Do pulo e golpe em área no pequeno ringue que serve de palco para o duelo, ela passa a rolar em direção do protagonista em um avanço poderoso. Tal progresso ofensivo acontece com os outros chefões do game, e admito que pode ser frustrante se deparar com essas mudanças, uma vez que isso dificulta o jogo, mas de longe estraga a experiência. A partir do momento em que entendi que é preciso aprender para vencer, os duelos fizeram mais sentido, e a vontade de vencer supera a frustração rapidamente. A vontade de vencer se combina muito bem com os desafios propostos. Isso porque, para complicar ainda mais, o corvo conta só com quatro pontos de vida, o que significa que, ao perdê-los, nossa pequena ave retorna a um check-point, sempre ilustrado por uma porta, e precisa recomeçar os embates contra chefões ou outros inimigos.

É preciso destacar, que em relação aos chefões, todos são bem elaborados e apresentam dificuldades únicas, mas o que mais se destaca aparece após a captura das três Almas Gigantes. Em um dos combates mais legais que já experienciei em um jogo, o confronto, que manterei em segredo para não estragar a experiência dos leitores, é primoroso do começo ao fim. Em um cenário completamente branco e sem referências visuais, herói e vilão duelam em preto e branco. O padrão de ataque do inimigo se torna cada vez mais difícil, mas também mais bonito e de tirar o fôlego. Obrigado por tal momento, Acid Nerve e Devolver Digital.

Já em relação aos confrontos contra outras criaturas, que costumam aparecer em grandes números e que desbloqueam novas áreas no mapa do jogo, a diversificação falha. Do começo ao fim do game, você encontrará basicamente os mesmos tipos de inimigos: bruxas que soltam bolas de magias, um monstro com um casco que rola em sua direção, orcs que pulam na direção do corvo protagonista, morcegos e lançadores de flechas. Há um ou outro monstro diferente, como potes de argila que lançam uma bombinha explosiva e outra criatura que pula e lança um bumerangue, mas basicamente estes são os que quase sempre aparecem. E eles quase sempre aparecem mesmo. Essa repetição não prejudica a experiência como um todo, mas quanto mais progredi e mais dei de cara com os mesmos inimigos, mais senti falta de uma variedade de confrontos. Aos poucos, fica automático combatê-los, além de um pouco repetitivo.

Outro aspecto de Death’s Door chama atenção quando o assunto é jogabilidade: é possível gastar pontos de almas no aprimoramento de atributos do corvo, como força, destreza, poder das magias e velocidade de ataque. Tais pontos de almas podem ser coletadas derrotando inimigos ou em esferas rosadas escondidas no mapa do jogo, e isso se torna uma das gasolinas do jogo – afinal, quem não quer ficar mais forte para ter menos problemas nos confrontos, não é mesmo? No entanto, é preciso admitir que pouco – ou de nada – ajudam esses aprimoramentos. Aumentar pontos de força de fato fazem diferença, mas só pelo quarto investimento. O mesmo vale para a velocidade de ataque, por exemplo. A diferença em tais aprimoramentos não fazem uma diferença gritante, o que vale mesmo é conseguir entender padrões de ataque para pode desviar e aplicar golpes certeiros. Veja bem, não digo que é inútil, não é este o ponto, mas não acredito que aumentar o dano do corvo me fez concluir o game com sucesso. É na compreensão e paciência que Death’s Door abre as portas para o êxito.

Gráficos

Com visão isométrica e gráficos cartunescos, Death’s Door encontra conforto no seu visual. Mesmo com um tom central que foca na melancolia e em tudo que a morte carrega, o game apresenta gráficos leves e aconchegantes, sem a necessidade de transpor agressividade visual – mesmo que manchas de sangue apareçam quando o protagonista sofre dano. Aliás, a dualidade entre desafio mecânico e visual leve pode parecer paradoxal, afinal, Death’s Door tem um “pézinho” no gênero souls-like difundido por Dark Souls, série de games com um visual totalmente sombrio. No entanto, o game protagonizado pelo corvo ceifador deixa a dificuldade para a mecânica, enquanto seu visual abraça o jogador e gera a necessidade de explorar cada canto dos belos mapas.

Aliás, fica aqui a recomendação: explore. Muitos itens ficam escondidos pelos mapas, além de que também é necessário explorar para poder encontrar Santuários, desbloquear portas e encontrar passagens para outros ambientes. A beleza gráfica do jogo se mantém, especialmente, no modo portátil do Switch. Todos os detalhes são perceptíveis, assim como a bela paleta de cores, texturas e efeitos. O game é tão aconchegante no console da Nintendo, que é possível gastar horas e mais horas jogado no sofá enquanto o corvo coleta suas almas – e morre repetidas vezes. Death’s Door abre, sem dúvidas, uma porta para diversão e conforto no Switch.

Imagem: Devolver Digital

Trilha Sonora

Além de ser uma experiência mecânica desafiadora e interessante e contar com belos gráficos, Death’s Door tem camadas muito bem construídas em sua trilha sonora, que conseguem transitar entre diferentes gêneros para aprimorar a imersão durante a jornada do corvo ceifador. No começo, principalmente ao caminhar por mapas como o Cemitério Perdido, por exemplo, é possível acompanhar melodias que automaticamente me remetaram ao músico e compositor Ludwig Göransson, responsável pela trilha sonora da série The Mandalorian, disponível na Disney+. Há instrumentos de sopro, cordas e melodias suaves e acolhedoras, mas há, sem dúvidas, espaço para músicas mais intensas e que abraçam as pesadas cordas de guitarras. Cada momento e ambiente é bem definido, também, pela trilha sonora do jogo, que assim como o visual do game me abraçou e se encaixou perfeitamente na proposta do game.

Imagem: Devolver Digital

Veredito

Death’s Door oferece uma cartilha quase que completa aos fãs de games de aventura, como The Legend of Zelda, além de equilibrar bem seus desafios aos apreciadores de games um pouco mais complicados, como Cuphead, por exemplo. Enquanto a narrativa fica em segundo plano durante quase todo o game, é nos desafios, exploração, mecânicas simples e visuais que o jogo da Adic Nerve se sustenta – e se sustenta quase que perfeitamente. Quanto mais progredi no game, mais queria jogar. Quanto mais regiões eram desbloqueadas, mais queria explorar. A pouca diversidade de inimigos é sentida após horas e horas de jogatina, mas isso não passa perto de arruinar a experiência divertida e desafiadora do game.

É quase impossível criar conexões com o protagonista, já que ele é um herói silencioso e não conta com diálogos, mas os personagens secundários, mapas, combates, visual e trilha sonora enxem o game de vida. Tal falta de conexão não causa qualquer tipo de influência negativa no jogo. Death’s Door, ao meu ver, encontrou um verdadeiro lar no Nintendo Switch, principalmente no modo portátil do console, e merece uma chance para os apreciadores de games simples, mas grandiosos, de games desafiadores, mas divertidos. Claro, existe uma falha aqui e outra ali, como a pouca diversidade mencionada e a pouca eficiência dos aprimoramentos de atributo do herói, mas as outras colunas do game o sustentam do começo ao fim da jornada do querido corvo ceifador. Uma grata surpresa, mesmo para quem tem medo da morte.